Duas “estratégias-mães” para a gestão de grupos acadêmicos

Uma análise baseada no acompanhamento e desenvolvimento de grupos acadêmicos. Isso mesmo, os grupos que surgem nas faculdades para o desenvolvimento de trabalhos acadêmicos: bancas, TCCs e monografias.

Como professor, há cinco anos venho orientando TCCs de grupos de cursos de publicidade e propaganda e há três anos desenvolvo um projeto acadêmico de marketing que exige dos alunos o mesmo empenho. Em TCCs (trabalho de conclusão de curso) este ano foram 5 grupos e nos projetos acadêmicos, 19 grupos.

Já vi de tudo, de grupos que tinham tudo para realizarem um ótimo trabalho até grupos que pouco se esperava, mas que ‘viraram a mesa’. Com base nesse acompanhamento – onde invariavelmente visualizo de perto não só o desenvolvimento do trabalho, mas também a organização interna e sua rotina de atividades – fui desenvolvendo ao longo dos anos algumas opiniões que acho oportuno compartilhar, sobre a gestão de equipes:

  • As melhores equipes não são compostas, necessariamente, por grandes amigos. Percebo um nível maior de comprometimento quando os alunos não são ‘tão’ amigos assim. Quando um grupo é composto por amigos bem próximos é comum haver relaxamento na postura e nas cobranças, até porque isto gera certo desconforto, e quando surge, normalmente é interpretado como algo pessoal. Em nome da amizade, os objetivos do trabalho vão sendo deixados em segundo plano. Por outro lado, quando não há tanta intimidade entre as pessoas há geralmente um grau maior de atenção, cobrança e postura profissional;
  • A complementaridade é importante para o equilíbrio de tarefas dentro do grupo. Outro fato percebido é que grupos formados por talentos ou pessoas com habilidades distintas tendem a desempenhar melhor suas funções. As diferenças pessoais fazem com que, naturalmente, os integrantes assumam responsabilidades e atividades específicas – isso contribui para minimizar desgastes com relação a divisão de cargos e tarefas. Com isso há maior envolvimento de cada um em suas próprias atividades e cobrança nas dos colegas;
  • Maturidade, auto-conhecimento e personalidade equilibrada são fundamentais para a manutenção da equipe e da saúde do trabalho. Um grupo formado por pessoas colegas, diferentes e complementares pode também não ter sucesso se, no processo das atividades, não houver bom senso e maturidade nas decisões e no gerenciamento das tarefas frente às metas. E esse bom senso deve ser baseado num razoável nível de auto-conhecimento pessoal de cada integrante. Mais do que isso, é importante também que as pessoas tenham personalidades equilibradas onde impere a lógica sob questões emocionais – o que não significa que as pessoas tenham que ser frias, mas também não podem deixar-se levar pelo ‘calor da emoção’. Esse é o equilíbrio, é portanto uma preocupação de cada um para o sucesso da manutenção da equipe;
  • Planejamento maleável e análise autocrítica realista contribuem para que o grupo não perca o foco e a visão do trabalho. Um projeto acadêmico é realizado durante todo ano letivo, envolve várias disciplinas e aborda muitos temas desenvolvidos durante o curso. Em função desta abrangência de tempo e temática, é comum grupos perderem o foco e principalmente, a capacidade de replanejar ou atualizar seus planos iniciais de trabalho (claro, quando conseguem desenvolver um). A falta de cultura para planejar é um fato. Pensar e fazer não é um hábito muito praticado, mas é fundamental quando se trabalha em grupo. Com planejamento constante, evita-se a ‘miopia’ e mantendo uma análise autocrítica realista, consegue-se uma visão clara fundamental para a gerência do trabalho;
  • Liderança do tipo ‘top-down’ não funciona na maioria dos casos. Viva o ‘botton-up’ e a energia gerada pela integração da equipe. Como os integrantes são todos alunos no mesmo nível (mesma turma), uma liderança, na figura de uma pessoa, só obtêm resultados se esta tiver o consentimento de seus colegas – que muitas vezes aceitam em função do comodismo. Nesta situação o grupo desenvolve-se conforme a visão do seu líder. Resultados melhores observo quando surge a liderança descentralizada, ou participativa, de baixo para cima ‘botton-up’. E isto acontece quando se está num clima organizacional composto por todas opiniões acima. Há muito mais idéias, inovações, comprometimento, detalhamento e participação em todas as tarefas. Costumo dizer que no ‘botton-up’ a soma dos talentos dos integrantes, resulta em muito mais do que a matemática poderia apresentar.

Como orientador desses grupos e baseado nessas opiniões formulei duas estratégias particulares para buscar e manter alto grau de envolvimento e desempenho frente aos desafios do trabalho. São apenas estas duas estratégias que orientam minhas decisões na gestão de grupos acadêmicos:

  • Liderar o sistema e não as pessoas, promover sistemas emergentes. Os projetos são multidisciplinares, envolvem tanto professores como alunos, mais que isso envolvem vários assuntos que se inter-relacionam à todo momento. Assumir uma posição de gerenciador das pessoas e suas tarefas é algo centralizador e, pela abrangência, muito difícil de ser realizado. Portanto o caminho produtivo é não gerenciar às pessoas e, sim, o sistema e sua organização. Ser o inspirador de toda lógica organizacional, está diretamente ligada aos alicerces necessários para o movimento emergente de lideranças descentralizadas. Quando isto emerge, eu, como professor orientador, deixo de ser figura motivadora para me transformar na figura mantenedora. De algo maior, pois neste momento o próprio sistema cresce pois é alimentado por todos os lados;
  • Incentivar a troca de experiências, trazer a história e o sentimento de continuidade dentro de algo mais importante. É importante que os grupos sintam suas atividades integradas e pertencentes a um ‘fio de história’, onde houve outros e haverá mais. Para isso é importante promover o registro, com ambição quase jornalística, das atividades durante todo o processo. Para motivar os alunos atuais e os futuros que terão desde o início uma visão mais contemplativa e histórica. Esse sentimento fortalece a manutenção dos sistemas emergentes e motiva os participantes, que adicionam significados maiores para sua vida pessoal e profissional.

Claro que decorrente dessas duas ‘estratégias-mães’ surgem outras, mas na minha visão são conseqüentes. A partir deste pensamento alinho outras estratégias como: interação entre equipes através da troca de experiências, não necessariamente relacionadas ao trabalho; promoção e reconhecimento através de premiações especiais e públicas; e envolvimento de empresas parceiras e de outros departamentos da própria instituição. Em alguns momentos citei o conceito de sistemas emergentes, para quem quiser se aprofundar no assunto recomendo a leitura do título ‘Emergência – A dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares’ de Steven Johnson, Editora Jorge Zahar Editor. Um livro notável sobre ‘botton-up’ e como promovê-lo nas organizações, e nos grupos acadêmicos também.

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Escrito por : Marcelo Miyashita

Apaixonado por praticar, aprender e ensinar marketing desde 1995.