Cadastro de clientes: estratégia de marketing ou burocracia?

De nada adianta registrar dados sobre clientes se esses não forem utilizados para as estratégias do negócio

Volta e meia ao fazermos compras passamos por uma situação interessante na hora de pagarmos. No geral, há sempre a solicitação do fornecimento de dados para cadastro. E não é para a liberação de crédito. É, como alguns bem intencionados atendentes explicam, para que a loja se relacione com o cliente pelo envio de promoções, lançamentos e convites. Se o cliente acreditar e se identificar com a loja, ou se o ato não for um desconforto, ele até fornece os dados sem pestanejar. Muitos, no entanto, não enxergam isso como algo agradável ou, calejados, sabem que não levarão vantagem nenhuma, ou pior, sabem que o lojista não fará nada com essa informação – nenhuma ação de relacionamento, nem mesmo de melhoria da sua estratégia de marketing. Só que não adianta discutir, muitas vezes, se não forem passados os dados, o ‘sistema’ não mudará de tela e não concretizará o processo de pagamento. O cliente tem que passar seu cadastro, mesmo que a empresa não faça nada e ele saiba disso. Que relacionamento é esse?

Há alguns anos passamos o boom da automação comercial, muito pela obrigação do cupom fiscal, é bom lembrar. Com a automatização vieram vantagens, como a promessa de melhor controle e administração de produtos, estoques e compras; desempenho de vendas, gerentes e vendedores; faturamento, fluxo de caixa e toda contabilidade; e também a possibilidade de conhecer seus clientes, segmentá-los e para eles desenvolver ações de relacionamento.

Praticamente todo sistema de gestão de varejo possui o módulo de CRM. A questão é que nem todo lojista o utiliza simplesmente porque isso significa adotar novas formas de atuar. Trabalhar pós-venda, estabelecer contatos rotineiros por meio de comunicação dirigida, realizar promoções e eventos exclusivos, oferecer benefícios vantajosos, montar campanhas de marketing direto – coisas muito além do software, que é uma ferramenta necessária, mas que depende de boas estratégias para que seu uso seja justificado.

Afinal, de que adianta captar dados de clientes e não utilizá-los? Como consultor e dirigente de uma consultoria especializada em marketing de relacionamento, até por pesquisa de trabalho, sempre forneço meus dados para verificar que ações as lojas irão desenvolver comigo, como consumidor. A maioria não faz absolutamente nada, uma pequena parte envia mala-direta sem segmentação de perfil e muito ocasionalmente, em raríssimos casos, percebo algumas lojas trabalhando meus dados. Esse painel é um desperdício, de oportunidades de negócio, de software e de paciência do cliente – que também percebe, e que por isso, é natural que seja reticente em fornecer informações. E o ruim é que a própria equipe de vendas e atendimento sabe que o cadastro não é utilizado, o que contribui para que a própria captação de dados seja tratada como uma burocracia do processo de vendas. Talvez por essa razão, ao estudarmos uma base de dados encontramos muitos endereços inexistentes e telefones do tipo “1111-1111”.

Certamente isso não é marketing de relacionamento. Dados são necessários, mas importante mesmo é saber utilizá-los como fonte para o desenvolvimento de estratégias. E muita coisa pode ser feita. Com informação pode-se conhecer melhor o cliente das lojas, descobrir que não há um perfil único e trabalhar para o grupo dos poucos que formam a nata da clientela. Eles são valiosos não só pelo faturamento que geram, mas porque muito provavelmente gostam da loja, dos produtos e dos serviços prestados. O bom vendedor sabe quem é esse cliente e formula para ele boas técnicas de vendas. Intuitivamente dá mais atenção, abre diálogo, sugere produtos e trabalha para o bom cliente sempre voltar. Mas nem sempre a alta gestão consegue identificá-lo e formular boas estratégias de marketing, valorizá-lo em suas ações promocionais, beneficiá-lo com serviços vantajosos e produtos direcionados.

Claro, bom atendimento e bons serviços todos devem receber, mas há sempre alguns que podem receber mais, pela sua importância e relevância para o negócio. No entanto, para a maioria das empresas, o bom cliente é tratado igual a todos, o que é um erro estratégico. Todo negócio tem seus clientes especiais, seus VIPs, sua nata. Esses são mais rentáveis, são os heavy-users, são aqueles poucos responsáveis por uma parcela significativa do faturamento. A organização precisa dar atenção a mais para estes clientes especiais e não deixar só para o gerente da loja, em conjunto com seus atendentes, fazer a diferença. Técnicas de vendas ajudam, ainda mais quando se tratam de redes de lojas ou franquias, mas o dirigente não pode só depender da atuação particular de cada gerente e da memória de seus vendedores.

A tecnologia no varejo tem evoluído muito e fornecido a possibilidade de cadastrar, conhecer, identificar e até rastrear os clientes na loja. Isso tudo não pode ser um bando de dados e seu CRM uma caixa preta. Tem que ser utilizado para justificar seu investimento, mas, principalmente, para realizar mais negócios com quem dá importância e escolhe com freqüência sua loja. Eles estão aí, mas podem não estar amanhã. Dê mais atenção a quem lhe dá mais atenção. Isso é marketing de relacionamento.

Escrito por : Marcelo Miyashita

Apaixonado por praticar, aprender e ensinar marketing desde 1995.